Eu vejo o que você não vê!


Eu vejo algo que você não vê!

A palavra "homúnculo"vem do latim e significa "homenzinho".  O erro do homúnculo consiste em que se imagine que a nossa consciência seja um palco puramente privado no qual acontece algo que um Eu observa e que não pode ser observado por nenhum outro a partir de uma perspectiva externa.  A ideia do homúnculo não é, de modo algum, uma invenção nova.  Ela é antiga e atravessa os milhares de anos da auto-investigação do espírito.  Quando se diz que, na verdade, não há um Eu ou um Si, e que a pesquisa sobre o cérebro o confirmou, isso quer dizer, na melhor das hipóteses, que não não há um homúnculo.  Mas isso não foi descoberto pela pesquisa sobre o cérebro, pois a suposição de que haveria um teatro cartesiano e, além disso, ainda um pequeno observador que se senta em nossa cabeça é uma representação absurda que a filosofia já refutou há muito tempo.  Além disso, Deenett sempre chama a atenção para o fato de que o homúnculo também é amplamente disseminado lá onde se nega oficialmente o teatro cartesiano.  Ele designa essa postura como o "materialismo cartesiano".

Em seu conhecido livro "Sonhos de um visionário", Kant não apenas já se opõe à superstição espiritual de seu tempo, como também à suposição até hoje amplamente disseminada "de que o meu Eu pensante esteja em um lugar que seira destinto dos lugares de outras partes do corpo al qual o meu Si pertence".  Kant acrescenta que "nenhuma experiência"nos ensinaria a "trancar meu eu indivisível em lugar microscópico do cérebro".  Ele compara isso ironicamente com a representação de que a alma do ser humano se encontraria em um "lugar indiscritivelmente pequeno" no cérebro e teria sensações ali.

"como a aranha no centro de sua teia.  Os nervos do cérebro a atingem ou a balançam, causando assim porém não que essa impressão imediata seja representada, mas sim que ela, que acontece em partes completamente longínquas do corpo, seja representada como um objeto presente no exterior do cérebro.  A parti desse centro também se movimente a corda e a alavanca de toda a máquina, causando movimentos voluntários segundo seu arbítrio.  Essas mesmas proposições só se deixam provar ou superficialmente  ou de modo algum, e, porque a natureza da alma não é conhecida o suficiente em seu fundamente, também só se deixam refutar de maneira igualmente fraca."


As neurociências trouxeram, em nossos tempos, novos avatares do homúnculo ou da aranha em sua teia.  Que se tome apenas por exemplo a representação de que nunca podemos ter acesso direto ao mundo exterior, mas sim sempre apenas construímos uma imagem mental que se origina no cérebro e que tem pouco ou nada a ver com as coisas "lá fora".   Se presume que essas imagens mentais são vistas por alguém e podem ser tomadas como gravuras do mundo exterior.  Com isso, porém, já se conjurou o homúnculo, mesmo que talvez na forma de uma determina região do cérebro ou mesmo do cérebro inteiro.

Suponhamos que eu veja agora uma estátua de Buda.  Segundo o modelo do homúnculo, a estátua de Buda surge, então no meu teatro cartesiano.  A isso se poderia afixar o fato de que eu vejo a estátua de certa perspectiva.  Ela aparece para mim, por meio do meu ângulo de visão, perspectivamente distorcida, e eu sei que ela parece diferente do teatro cartesiano de você, pois você tem de estar em outro lugar para ver a estátua (aqui já estou eu).  Eu vejo o que você não vê


A estátua aparece agora, então em meu teatro cartesiano, e eu, quer dizer, o meu Eu, a vê ali.  Agora, porém, se coloca imediatamente a pergunta sobre como sei, afinal, que isso é uma estátua do Buda que, de um lado, aparece no meu teatro e, de outro, aparece no seu, de modo ainda que, ao fazê-lo, sempre tenha uma aparência diferente?  - Que sei eu afinal sobre que percepção de cores você tem exatamente, e qual é exatamente a aparência da estátua para você; talvez você seja um especialista nesse tipo de estátuas e vivencie os detalhes de uma maneira complemente diferente da minha?

 

Pode-se dificultar ainda mais as coisas se colocar o seu cachorro, o seu gato ou um aquário com um peixinho dourado na frente da estátua de Buda.  A estátua aparece agora no palco espiritual desses animais?  Pode uma estátua de Buda aparecer, se não se tem nenhum conceito de Buda ou de estátuas?

Nos engalfinhamos nos muitos tentáculos do erro do homúnculo se concluímos, a parti desse cenário, que apenas se poderia saber que há uma estátua de Buda ali ao se tonar consciente dela.  Mas se isso significa que a estátua surge em meu palco interno, não estarei consciente dela da mesma maneira que você e não estarei de modo algum consciente da mesma coisa que o cachorro, o gato ou o peixinho dourado.  Mas, então o que, afinal, está “lá fora”?


Como é ser um morcego?


Vamos imaginar como seria receber as impressões sonares do meio ambiente.  Não seremos bem-sucedidos, porém, em nos colocar nessa perspectiva.  Isso também vale para percepções submarinas de golfinhos ou a sensibilidade à temperatura de cobras.  Coloquemos então aquilo que para nós, seres humanos, é uma estátua de Buda, em uma caverna cheia de cobras e morcegos.  Na consciência de cobras e de morcegos não aparecerá nenhum Buda.  Mas o que aparecerá, então?  Ora, nós não o sabemos realmente, pois não temos acesso à perspectiva interna de tais consciências que nos são estranhas.



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